quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Uma decisão e um compromisso diários

O momento em que temos que tomar finalmente a decisão que responderá à clássica pergunta: "O que você quer ser quando crescer?" pode ser dramática para alguns. Muitas vezes nos deparamos frente ao dilema entre fazer algo que gostamos ou fazer algo para ganhar dinheiro. E quem opta pelo magistério acaba, mais cedo ou tarde, se questionando: "vale à pena mesmo eu fazer o que eu gosto e ser tão mau remunerado?".
Um dia, voltando da universidade de ônibus, já cursava a licenciatura, ouvi um calouro dizendo: "Eu vou fazer a licenciatura. Não custa nada garantir um emprego." Ele tinha a intenção na época - pelo que me pareceu na conversa - de cursar o bacharelado. A licenciatura seria sua segunda opção. Fiquei revoltada com a imagem que ele tinha do magistério. Mas com o tempo fui percebendo que esta é a visão que grande parcela da população brasileira tem: não deu certo em outra carreira, não conseguiu passar no vestibular de outro curso, vai ser professor. O salário é baixo mas é garantido.
Dentro da universidade, os cursos de licenciatura são sempre depreciados. Na Biologia mesmo eu sentia isso. Afinal, os "pesquisadores/bacharéis" são aqueles que são reconhecidos pela comunidade acadêmica. O "pessoal da educação/ensino" não têm status. Não é por acaso que o orçamento dos Centros das Humanidades recebem verbas mais "tímidas" quando comparadas com os Centros Tecnológicos e Biomédicos. 
Os futuros professores são discriminados desde o momento da escolha de sua profissão, passando por todo o período em que estão na universidade se formando até quando, finalmente, chegam às escolas e exercem sua profissão. Somos desautorizados por instâncias superiores, feitos de meros executores de políticas públicas e, cada vez mais, questionados por pais que apoiam seus filhos sem nem mesmo querer saber se estes foram desrespeitosos conosco em nosso pleno exercício profissional. 
Existem maus professores que contribuem para a péssima imagem (e resultados concretos) da educação brasileira? É claro que há. Porém, em toda e qualquer profissão existem pessoas descompromissadas e que não levam à sério seus deveres.
Por outro lado, tenho encontrado uma nova geração de professores que sente mesmo vontade de contribuir para a formação integral dos alunos. Em minha área específica de atuação percebo que há empenho em renovar os espaços da escola por meio da inserção de práticas de cunho experimental, de educação ambiental, de ações de promoção da saúde. Não podemos desprover a comunidade carente do conhecimento científico em nome de um assistencialismo que apenas contribui para a manutenção da sociedade da forma como ela é/está hoje. E existem professores com baixos salários e que trabalham sob péssimas condições que estão aí, nas escolas públicas, fazendo toda a diferença e que honram o magistério a cada dia.
No mais, posso apenas desejar que aquele calouro tenha desistido do magistério ou, caso esteja hoje em sala de aula, que tenha compreendido que ser professor não é ter uma profissão garantida (já que em qualquer cidade desse país há uma escola) mas, sim, assumir um compromisso diário com um outro ser humano na busca pela sua emancipação pessoal e coletiva.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Concepções alternativas: o clássico que saiu de moda?

     Parece que entre a comunidade de pesquisadores em Educação em Ciências isto é consenso: pesquisas sobre as concepções alternativas (ou espontâneas, como queiram) de alunos e professores já estão esgotadas. Não fiz uma revisão bibliográfica sobre o assunto mas acabo por me juntar a esse coro uma vez que sempre que procuro na literatura alguma pesquisa sobre concepções alternativas de qualquer conceito científico eu sempre encontro, pelo menos, um ou dois artigos relacionados. E talvez por essa vertente de pesquisa estar aparentemente saturada, hoje já não damos a relativa importância que seus resultados e reflexões didáticas deles decorrentes podem nos auxiliar em nossa atuação no magistério, tanto superior quanto básico.
     Neste semestre estou ministrando uma disciplina para o curso de Pedagogia, a "Ciências da Natureza: conteúdo e método". No currículo da FFP/UERJ, os futuros pedagogos têm três disciplinas desta. Na primeira são abordados conteúdos de geociências, entre outros. Então, antes de iniciar o estudo do "conteúdo" propriamente dito decidi "sondar" as concepções alternativas dos licenciandos sobre conceitos de astronomia. O mais interessante da atividade não foram os resultados obtidos. Não me surpreendi com as respostas das alunas às questões feitas pois já havia lido artigos nos quais os pesquisadores apresentam algumas concepções apresentadas por professores de séries iniciais e estudantes sobre conceitos da Astronomia (entre eles o artigo de Pinto e cols, 2007). No entanto, devo confessar que é sempre uma surpresa pouco agradável constatar estes resultados na prática. Todo e qualquer professor adoraria se deparar com uma turma que já apresenta interpretações para fenômenos naturais que, se não são ainda completamente corretas do ponto de vista da ciência estão, pelo menos, um pouco próximo dela. Minhas alunas fizeram a atividade com total seriedade e comprometimento (é claro que algumas brincadeiras quando as perguntas estavam sendo feitas surgiram, mas no momento em que discutíamos suas respostas elas estavam atentas e curiosas) e se surpreenderam com suas próprias explicações. Algo que pode parecer óbvio em uma situação corriqueira quando posto sob discussão e questionamento pode revelar (e a ideia de trazer à tona as concepções alternativas do sujeito é exatamente esta) conflitos cognitivos basais que geram a necessidade de uma explicação que dê conta de sua deficiência conceitual.
     Não tenho a intenção aqui de descrever os mecanismos cognitivos implícitos nas atividades de desvelamento das concepções alternativas e de uma, desejável ou pretendida, mudança conceitual (indico a leitura do artigo de Mortimer, 1996). Meu objetivo quando iniciei a escrita deste post era a de ressaltar a relevância da inserção desse tipo de atividade em disciplinas da licenciatura tanto para conhecermos as concepções dos futuros professores a fim de organizar próximas aulas quanto para apresentar ao futuro professor como uma atividade deste tipo pode ser feita com seus alunos.
     Este breve relato tem a intenção apenas de destacar a contribuição desta linha de investigação em Educação em Ciências que tem sido, ultimamente, até mesmo desmerecida mas que tem importância e aplicabilidade considerável na prática docente. A turma na qual inseri esta atividade hoje mostra-se bastante motivada no aprendizado dos conceitos sobre astronomia e atribuo muito desta motivação ao questionamento de suas concepções alternativas.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O “ensino de” e a “educação em” ciências


         Qual a diferença entre “ensino de ciências” e “educação em ciências”? Será que existe mesmo uma distinção entre tais denominações? Essas perguntas me perseguem desde a graduação. Tenho um amigo com quem cursei a Prática de Ensino, Jorge Nascimento, que uma vez disse: “eu não gosto dessa dicotomia entre o pessoal da educação em e do ensino de”. Essa frase marcou. E devo dizer que até hoje quando escrevo um desses dois termos em qualquer um dos meus textos eu paro para pensar se estou atribuindo o significado correto a eles.
            Hoje, anos após ter ouvido tal comentário de meu amigo, pedi a ele que falasse mais um pouco sobre o assunto. Leiam o que ele escreveu:

“Sim, me lembro disso! (...) se não me engano era algo na linha de: o pessoal do "Ensino de" tinha mais apego (seria melhor dizer interesse?) à prática da didática, à experimentação (por exemplo) em sala de métodos de ensino e ao aprender fazendo, se é que não fica ofensivo dizer isto. Já o povo da "Educação em" teorizava mais e, de certa forma, se afastava do problema (e às vezes da prática na sala de aula ou no campo), talvez para compreendê-lo de maneira menos emocionada e desapegada dos claros limites impostos pela prática. Na verdade, na época, eu acho que me incomodava que o pessoal que era mais sala de aula e projetos (no laboratório, no campo) e o pessoal que tentava entender a educação e o ensino à luz das teorias tinham umas brigas muito bobas. Não sei se na época eu tinha esta visão mas me parecia que a complementariedade entre as visões era meio óbvia mas as pessoas preferiam defender seus nichos se opondo e não atuando em colaboração. Daí que os mais acadêmicos pareciam, aos olhos dos "práticos", uns alienados e estes viam os outros como improvisadores sem conteúdo teórico (como se não soubessem o que estavam fazendo por não ter a base teórica sólida inclusive pra saber quais teorias estavam fazendo dialogar ao executar uma determinada prática). Então eu acabei representando pra mim isto da forma que eu via quando lia os trabalhos (ex: em EPEBs[1] e assemelhados) e conversava com as pessoas. E no final das contas eu acho que o moleque que estava ali num determinado contexto social, histórico e mesmo conjuntural, perdia pois seus mestres atacavam os inimigos errados ao tentar refletir para melhorar o resultado líquido da educação no chão! (...)”.

          E meu amigo ainda fala um pouco de sua experiência na educação ambiental, porém selecionei este fragmento porque ele traz (brilhantemente e de forma explícita) algo que me tem feito pensar recentemente sobre as contribuições que minhas pesquisas (teóricas ou empíricas) na área de educação em ciências podem ter de fato para a melhoria do ensino de ciências  e da própria formação e trabalho docente. Qual o impacto que as pesquisas e as discussões que se dão no âmbito acadêmico têm na sala de aula? Porque a impressão que eu tenho quando converso com professores é que eles estão preocupados com demandas concretas de sua atividade, entre elas: péssimas condições de trabalho, alunos desinteressados, colegas desestimulados, mudanças cíclicas nas políticas das secretarias de educação, avaliações extremamente exigentes (e muitas vezes descabidas) por parte do governo, necessidade de cumprimento dos conteúdos programáticos, salários vergonhosos e nenhum incentivo à complementação de sua formação e prosseguimento dos estudos já que não existe uma política de plano de carreira. (Este último ponto está relacionado ao que discuti no post “Por que o professor que estuda mais sai da escola?”)
            Desta forma, volto meu olhar para as discussões que tenho no grupo de pesquisa ou para aquelas que presencio em eventos científicos e fico com a impressão de que, em diversas situações, nós (pesquisadores) teorizamos demais, elucubramos sobre os mais diferentes aspectos da “educação em ciências” e acabamos nos distanciando das tais demandas que enumerei acima com as quais o professor tem que lidar na escola (onde o “ensino de ciências” se concretiza). É claro que existem pesquisadores atentos a tudo isso e que buscam incorporar essas questões a suas teorizações. Porém, acredito que essa dicotomia entre aquilo o que é “pensado” sobre o ensino de ciências e aquilo que se “efetiva” na sala de aula de ciências é algo que deve estar constantemente sob vigilância daqueles que realizam pesquisas sistemáticas na área.
         O que eu acho importante destacar é que temos que reconhecer (efetivamente) que há produção de conhecimentos não apenas nos centros acadêmicos mas também na escola[2].
Essa questão da diferença entre o que é uma pesquisa “teórica” ou “prática” parece não ser tão problemática em outros campos do conhecimento como é nas Ciências Humanas. Nas Ciências Naturais (falando aqui da minha área disciplinar de origem) existe uma distinção que se não é óbvia (do ponto de vista epistemológico) é, pelo menos, estabelecida (e até certo ponto desejada) pelos cientistas entre ciência dura (“hard”) e ciência aplicada. E embora exista uma disputa por status, poder e recursos entre cientistas das duas vertentes o sentido de pesquisa aplicada não tem sido pejorativo uma vez que esta tem dado contribuições essenciais para o desenvolvimento de medicamentos, vacinas, curas de doenças, entre outros. O que temos observado nas Ciências Naturais é que essa distinção muitas vezes não faz sentido pois pesquisas aplicadas geram novos conhecimentos e pesquisas “hard” podem vir a ter aplicações práticas. Ou seja, o que acaba sendo importante, em última instância, é o acúmulo de conhecimentos. Não tenho a menor pretensão de traçar um paralelo entre Ciências Naturais e Ciências Humanas apenas estou enfatizando que no caso específico da educação em ciências poderíamos/deveríamos reconhecer e vivenciar o caráter aplicado que as pesquisas da área têm (ou deveriam ter?)[3];[4].


[1] EPEB: Encontro Perspectivas do Ensino de Biologia. Este encontro teve sua primeira edição em 1982 e a última em 2006 sendo sempre realizado e organizado pela Faculdade de Educação da USP. Após a criação da Sociedade Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio), em 1997, e sua concretização passaram a ser realizados os ENEBIOs e EREBIOs (encontros nacionais e regionais de ensino de biologia, respectivamente). Consulte o site http://www.sbenbio.org.br/.
[2] Sugiro a leitura do livro: Lopes, Alice R. C. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999.
[3] Uma discussão sobre esse tema é feita por: Delizoicov, Demétrio. Pesquisa em ensino de ciências como ciências humanas aplicadas. In: Nardi, Roberto (Org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras Editora, 2007.
[4] Sobre possíveis diálogos entre distintas áreas da ciência (exatas e humanas) veja a reportagem na Revista Ciência Hoje em: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2012/10/dialogo-necessario.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Voz do Professor - Paulo Roberto Santos


"Daqui pra frente
Tudo vai ser diferente
Você tem que aprender a ser gente
Seu orgulho não vale nada, nada."
(Erasmo e Roberto Carlos, O inimitável, Canção "Se você pensa", CBS, 1968)

Este é o trecho da canção “Se você pensa”, de Erasmo e Roberto Carlos, que minha mãe conta que eu gostava de cantar quando criança. Aos dois anos de idade eu já demonstrava uma tendência libertadora em minha vida, que trago, significativamente, para a produção científica na academia. Nesta perspectiva emancipadora, que assim sejam as Ciências...

“A poesia e a arte continuam a desvendar lógicas profundas e insuspeitadas do inconsciente coletivo, da vida cotidiana e do destino humano. A ciência é apenas uma forma de expressão dessa busca, não exclusiva, não definitiva.” (Maria Cecília Minayo, Pesquisa social: teoria, método e criatividade, Vozes, 2010, p. 9)
“Provocar nos estudantes, e também na população em geral, a curiosidade e levá-los a se dar conta do papel que a ciência tem em suas vidas, exige trabalho em classe, na escola e fora dela – na família, entre amigos, na comunidade e nos centros de ciência etc. – como parte dos direitos, em uma sociedade democrática, de conhecer e optar.” (Myriam Krasilchik e Martha Marandino, Ensino de Ciências e cidadania, Moderna, 2004, p. 21)

Que assim sejam
(Roberto Poeta)*

Que as Ciências sejam para “atletas”, “hospitaleiros” e “pluraristas”
E não mais para “amebas”, “hospedeiros” e “parasitas”.
Que as mentalidades estejam voltadas para a reflexão
E não mais limitem-se ao ensino de reprodução.

Que sejam pelo “exercício de cidadania”
E não para a “formação de mão de obra”
Em que o aluno apenas copia
E decora a matéria para a prova.

Que sejam pela transformação curricular
E pela libertação da metodologia transmissional.
Que visem uma dimensão interdisciplinar
Pela Pedagogia Ambiental.

Que agucem o estudante à curiosidade
E para uma consciência cultural, cívica e prática.
Que assim sejam pela afetividade
E pela concepção de uma sociedade democrática!

*Paulo Roberto Santos - Licenciando em Pedagogia FFP/UERJ